A Nova Era – Semana #149: manobrando radicalmente a democracia
Estamos prestes a chegar na semana de número 150 do governo Bolsonaro. Começamos com os militares deixando todo mundo com o cabelo em pé e vamos terminar com o centrão tão poderoso quanto era no governo Sarney.
Para aproveitar o clima de flashback, Arthur Lira (PP-AL) fez tudo o que estava a seu alcance para ampliar as emendas do relator (uma versão atualizada daquilo que deu origem ao escândalo dos anões do orçamento). Já o governo federal promoveu populismo fiscal, calote de dívida pública e inflação. E o salário? Tá cada dia pior.
Confira tudo isso e muito mais no resumo da semana #149 do governo Bolsonaro.
The following takes place between nov-2 and nov-08
Antes de falarmos sobre os principais assuntos da semana, vamos ao recap para entender o que são: os precatórios, a PEC dos precatórios, as emendas do relator e o orçamento secreto.
O que são os precatórios
Os precatórios são dívidas que o Poder Público acumula quando perde uma ação na Justiça. Sempre que alguém processa o governo e ele perde, a indenização a ser paga recebe este nome.
Em 2022, o governo federal terá que pagar R$ 90 bilhões em precatórios. O valor é muito maior do que o que foi pago em 2021 (R$ 54 bilhões), mas não é uma grande surpresa: se a Advocacia-geral da União tivesse realizado o trabalho dela corretamente, os responsáveis pelo Ministério da Economia teriam conseguido separar a verba (ou renegociar o seu pagamento) sem grandes dificuldades.
O que é a PEC dos precatórios
A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) dos Precatórios foi apresentada pelo governo federal para renegociar, na marra, o pagamento das indenizações. Ela propõe uma pedalada fiscal, um calote de alguns bilhões e limita as dívidas pagas integralmente em 2022 apenas àquelas que estão dentro do limite de R$ 66 mil. Além disso, caso aprovada em dois turnos, prevê o parcelamento dos precatórios de maior valor em até dez anos (independentemente do que os destinatários do pagamento acreditem ser o certo).
O que são as emendas do relator
As emendas do relator são gastos orçamentários definidos pelo relator-geral do Orçamento. Elas são utilizadas para financiar obras e políticas públicas em todo o país e, em 2021, atingiram o valor de R$ 18,5 bilhões. Ao contrário de outros tipos de emendas, elas não têm pagamento obrigatório.
Até aí, tudo bem. O pulo do gato está no modo como estes recursos são utilizados: as emendas do relator não são transparentes (por não seguirem os critérios de publicidade de outras emendas), não são distribuídas de maneira igualitária entre todos os deputados e podem ser definidas de acordo com o critério que o responsável pelo Orçamento achar que é o mais correto. Em outras palavras, como disse o Senado Federal, elas servem para comprar apoio político.
O que é o orçamento secreto
Não é de se assustar que as emendas do relator foram utilizadas para realizar mutreta, como a compra de tratores superfaturados e a liberação das emendas conforme os deputados votassem nas pautas do governo. Isso levou a mídia a cunhar a expressão “orçamento secreto” para definir algo que pode ser resumido assim: uma fatia volumosa do orçamento público que é destinada, sem critérios técnicos, de acordo com o apoio dos deputados federais aos projetos de interesse do governo, como é o caso da PEC dos precatórios.
Então estamos todos entendidos? Espero que estejamos todos entendidos.
Manobrei, manobrou
A possibilidade de não conseguir financiar o Auxílio Brasil utilizando calotes da dívida pública fez o Palácio do Planalto trabalhar com afinco para garantir a aprovação da PEC dos Precatórios. Houve quem falasse que a agenda de Jair Bolsonaro passou a ter até mais de cinco horas de compromissos diários.
O medo de Arthur Lira não conseguir garantir a aprovação do texto nos dois turnos colocou todo mundo em sinal de alerta. Os deputados do centrão pularam em cima da carne morta, exigindo o pagamento adiantado das emendas do relator. Já Arthur Lira estudou como manipular o Regimento Interno da Câmara para liberar a votação remota após retomar as atividades presenciais da Câmara (para conseguir aprovar projetos com mais facilidade).
Após conseguir utilizar tudo o que estava dentro e fora do Regimento da Câmara, Arthur Lira conseguiu aprovar o texto-base da PEC dos Precatórios. “Texto base”, no caso, é um eufemismo para o que foi votado: o projeto sofreu grandes modificações (flagrantemente inconstitucionais) de última hora para conseguir votos de gente até do PDT.
Pequenas notas do Quinto dos Infernos
O Brasil aderiu, por livre e espontânea pressão, ao compromisso de cortar 30% das emissões de metano até 2030.
O compromisso de vender commodities desvinculadas de desmatamento está deixando o pessoal do Ministério da Agricultura com medo (não criar gado em reserva indígena ajudaria bastante)
Bolsonaro prestou homenagem à memória dos brasileiros que lutaram contra o fascismo com um neofascista.
Fizeram alguns ajustes no Caged e o número de empregos com carteira assinada caiu pela metade em 2020.
Lula segue livre e na frente das pesquisas.
Davi Alcolumbre (DEM-AP) terá que se explicar para a Justiça.
O leilão do 5G teve notícias boas e práticas velhas.
33 funcionários do Inep perceberam que a estabilidade do servidor público não compensava diante do transtorno que a eventual visita do Ministério Público causará na vida deles e pediram demissão.
Deltan Dallagnol está pronto para entrar (oficialmente) na política.
O Senado aprovou uma lei que proíbe a discriminação com base em orientação sexual para doadores de sangue.
A semana da pandemia
Existem muitas coisas que poderiam ser faladas sobre os acontecimentos que envolvem a pandemia de covid-19 nos últimos dias. Um deles, por exemplo, é o repeteco de falhas no governo federal que levaram à não liberação de 1,2 milhões de testes de covid que vencem até o final do mês (um prejuízo de R$ 42,1 milhões).
Mas vamos focar no que é realmente legal. Serrana (SP), cidade em que a aplicação em massa de vacinas aconteceu antes de todo o país, está com o número de mortes em queda apesar do grande aumento do número de casos de covid-19.
Mortes por covid, aliás, foi o que São Paulo, Minas Gerais, Acre, Amapá, Goiás, Roraima e Rondônia não registraram na segunda-feira (08). Em todo o resto do país, 118 óbitos foram registrados. A média móvel de 7 dias ficou em 235 mortes, uma redução de 31% em relação ao período anterior.
O internauta já está preparado para falar para a tia onde estão as namoradinhas? É melhor se preparar, já que, mantendo o ritmo, neste ano a resposta para a pergunta será presencial.
Calma lá
A aprovação da PEC em primeiro turno foi apenas o primeiro passo da longa caminhada do governo para conseguir financiar o Auxílio Brasil. Além de uma segunda aprovação com 2/3 dos votos a favor na Câmara, o texto terá que passar por outras duas difíceis votações no Senado.
Até lá, todo mundo que está (de fato) na oposição fará o que for possível para tirar votos de Lira. Ciro Gomes, por exemplo, ameaçou jogar fora todo o trabalho feito ao lado do PDT para chegar ao Planalto caso os deputados do partido não mudem de ideia. Já o PSB começou a articular com a sua bancada o que for necessário para não passar por outro vexame.
E o PSDB não paulista? O PSDB que não é de São Paulo fez de conta que o problema não é dele.
Hora de conferir no livrinho
A Comissão de Precatórios da OAB avaliou que a PEC é inconstitucional em pelo menos 30 pontos. Já há, inclusive, jurisprudência formada no STF para ser utilizada para derrubar o texto. Só tem um probleminha: casos como esse só acabariam de ser julgados após o presidente Bolsonaro terminar um segundo mandato.
Pelo sim, pelo não, o PDT entrou com uma ação no STF para anular a votação da PEC dos Precatórios. O partido utilizou como argumento as manobras de Artur Lira para liberar a votação remota de deputados ausentes. Eduardo Cunha não passaria por isso.
Enquanto isso, no Planalto
O governo federal não se deu por vencido e quer aumentar o placar a seu favor nas próximas votações. Enquanto a esquerda se movimenta para desistir de apoiar ao PEC no segundo turno, mais promessas de liberação de emendas e ameaças de retaliação foram feitas para garantir apoio futuro. Arthur Lira fez a sua parte e prometeu até R$ 15 milhões em emendas para quem votasse a favor (dá para fazer muita escola, ponte e posto de saúde com R$ 15 milhões).
Enquanto isso, no STF
A ministra do STF, Rosa Weber, determinou que as emendas do relator fossem suspensas e executadas integralmente. A decisão foi julgada em plenário enquanto este texto era fechado e apoiada pela maioria dos ministros. O motivo? As nada republicanas emendas do relator não seguiam os princípios de republicanismo que movem a administração pública.
Arthur Lira tentou argumentar que, embora juridicamente correta, a decisão feria a autonomia do Legislativo (bobagem). Ele deveria ter gastado o seu tempo juntando os dados sobre a votação da PEC dos Precatórios que demonstrassem que ela ocorreu em total clima de legalidade (não ocorreu).
Enquanto Arthur Lira não encontra uma saída para comprar o apoio dos deputados (ou manter as emendas do relator), há uma parte do Supremo tentando articular uma saída pelo meio: manter as emendas, mas torná-las transparentes. Mas se isso dará certo — e se o governo terá meios para aprovar, de novo, a PEC dos Precatórios — é algo que saberemos somente na semana que vem.